Descubra o roteiro da leitura coletiva no Leblon
sexta-feira, 10 de agosto de 2012Imagine-se lendo a “Divina comédia” de Dante Alighieri, no silêncio do seu quarto. Não consegue? Então, imagine deliciar-se com o livro coletivamente, dividindo a sensação de estar no purgatório de Dante, perpassar o tormento do calor do inferno e depois ir ao paraíso, encontrando a redenção pelo prazer da troca de diferentes interpretações no decorrer de sua leitura.
Se já é comum ver pessoas reunidas para apreciar poesia em saraus, agora são os romances, contos e crônicas que estão saindo das prateleiras e atraindo pessoas que querem degustá-los em grupos, em livrarias e centros culturais da Zona Sul do Rio de Janeiro
— Ler em grupo é delicioso. Acabamos de mergulhar no mundo de Guimarães Rosa, com “Grandes sertões: veredas”. Sinceramente, eu nunca o leria sozinha; teria preguiça — conta Creuza de Carvalho, frequentadora do Grupo Experimental de Literatura (GEL), que se reúne há quatro anos na livraria Estação das Letras, no Flamengo.
— Pesquiso leitura em grupo desde os anos 1990. Tenho publicações sobre o tema e acredito que, em muitos casos, o conteúdo lido desse jeito é mais bem absorvido pela mente — diz Suzana Vargas, dona da livraria.
No espaço, há mais dois grupos de leitura, cada um com suas particularidades. Um dele é o Livros na Mesa, cuja coordenadora, a poetisa Lila Maya, incentiva não só a leitura, mas a troca de livros e de ideias entre os participantes. Já o Curta Crônicas, que nasceu de uma oficina, tem o foco no estudo do gênero literário popular.
— Depois de aulas de Felipe Pena sobre crônicas, continuamos a estudar sozinhos, e tem fluído bem. Até criamos um site, que tem em média 500 acessos por dia — diz Tânia Barroso, coordenadora do grupo.
Os encontros presenciais fomentam também a criatividade de quem participa. É o caso da mineira Joyce Figueiró, de 22 anos, que já lançou um livro, o “Café, cálculos e crônicas”:
— Faço mestrado em Matemática Aplicada, mas sou apaixonada por literatura. Vir aos encontros abriu minhas veias para uma expressão mais profunda. Aprendi a dividir meu coração entre os números e as letras — diz ela.
Os entusiastas da leitura podem ser muito diferentes, como se vê. Mas têm em comum a vontade de dividir impressões sobre os mais variados temas.
— É engraçado notar que suas convicções vão sendo derrubadas à medida que você vai ouvindo a interpretação do outro. Você ganha de presente outra visão, a partir da leitura alheia — garante Jafet Vieira, há quatro anos no GEL.
Na livraria Baratos da Ribeiro, em Copacabana, dezenas de pessoas se reúnem quinzenalmente no já famoso Clube da Leitura.
— Desde 2007, os encontros se baseiam na informalidade, e este clima descontraído ajuda no processo criativo. Mas não é só isso: o clube já saiu da livraria para ganhar a cidade em eventos. É gratificante ver o projeto crescer. No início, queríamos acolher gente que não se encaixava no rigor da academia. Hoje, já temos duas coletâneas publicadas — diz Maurício Ribeiro, dono do espaço.
Em busca de novos autores e amigos
Outro espaço que está investindo em encontros entre leitores ávidos é o Baukurs Cultural, em Botafogo. Com um viés diferente: o foco, ali, é na descoberta de novos talentos.
— Queremos reunir jovens que estão despontando na literatura brasileira. Também convidamos atores e atrizes consagrados na mídia para interpretarem os textos dos iniciantes. Chamamos os encontros de “Caldos literários” — conta Thea de Miranda, diretora do Baukurs.
Susana Fuentes, escritora e doutora em Literatura Comparada pela Uerj, participou do último encontro, expondo seu trabalho literário. Na ocasião, teve trechos de seu romance “Luzia”, publicado pela 7 Letras, em 2011, interpretados pela atriz Deborah Evelyn.
—Encontrei aqui a possibilidade de cruzar linguagens, pelo fato de este ser um centro cultural que leciona a língua alemã. Quem vem ao “Caldos literários” pode desfrutar uma esfera intimista, acolhedora — afirma Susana.
O ingresso no grupo custa o valor do livro que será lido na noite. No final, um caldo é servido junto com vinho. Um clima dionisíaco para brindar à difusão da arte.
— Estou otimista com o panorama atual do mercado editorial; está mais fácil publicar um livro hoje. Tenho conhecido autores fantásticos. Promover a simbiose entre as pessoas é algo fascinante — garante Thea.
Partindo para o Leblon, há o Centro Cultural Midrash, que também mantém uma extensa programação de eventos. Ali, a leitura é incentivada por meio de encontros livres e palestras com autores novos e consagrados. Existe ainda a possibilidade de se fazer cursos sobre assuntos diversos.
— Eu me matriculei num grupo para discutir jazz, acabei fazendo amigos e agora não paro de frequentar as atividades livres que são oferecidas. Vou sempre que posso — conta o músico Flávio Gouveia, que atualmente frequenta as sessões de leitura do Midrash.
Outro evento é o “Café literário”, que acontece na sede da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), no Humaitá. Mas não pense que lá estarão apenas psicanalistas sérios atrás de mais conhecimento para lidar com os pacientes no divã. O grupo é bem badalado, e recebe pessoas de todas as áreas profissionais. Basta querer compartilhar o interesse pela literatura, num clima informal. Quem vai às sessões do “Café literário” pode até levar pequenos trechos de livros, contos, poemas ou crônicas e, talvez, se arriscar, mostrando textos próprios. A atividade é aberta ao público em geral uma vez por mês.
— Nossa particularidade é justamente não ter particularidade. Qualquer pessoa pode chegar, mesmo as mais tímidas. Pode-se chegar mudo e sair calado e, mesmo assim, a pessoa sairá cheia de conteúdo, porque a troca também é feita a partir da observação— observa a psicanalista Sandra Gonzaga, que há seis anos fundou o grupo e mantém os encontros com bolo, café e livros. — Freud foi muito ajudado pela literatura em suas teorias. Os poetas e escritores entendem mais rapidamente a alma humana. Estudar o que dizem é engrandecedor tanto para a carreira de quem estuda a mente quanto para a vida pessoal.
Na Livraria Cultura, em São Conrado, os pequenos leitores é que são privilegiados. Da programação habitual consta a “Hora do conto Zastras”, na qual os contadores são, também, incentivadores do hábito da leitura coletiva.
— É importante mostrar para meus filhos como é possível ter prazer no aprendizado. Na livraria, eles desenvolvem a capacidade de dividir opiniões. Exercitar o senso crítico em grupo é importante para formar adultos que respeitem o próximo — diz Gabriela Dutra, que é mãe de Clara e Pedro, dois frequentadores asssíduos do espaço.
A Biblioteca Popular Municipal Machado de Assis, em Botafogo, é outra que convida as crianças a ouvir boas histórias gratuitamente. Há também eventos especiais: na próxima quinta-feira, haverá a sétima “Festa do folclore”, com leituras de contos inspirados em lendas regionais brasileiras.
Quem é mais tímido e não pretende sair de casa para ler ao lado de desconhecidos pode criar seus próprios eventos. Foi o que fez o artista plástico Filipi Espindola, fundador do Casarão 24, grupo que começou se reunindo para ler quadrinhos e revistas de arte, às segundas, após o expediente, em Santa Teresa:
— Comecei despretensiosamente, juntando amigos interessados em gibis. Hoje, fazemos oficinas de zines grátis e abrimos o nosso espaço a quem quiser chegar.
Espaços para ler em grupo
Estação das Letras
Grupo Experimental de Leitura (GEL): Reúne-se todas as sextas-feiras, às 20h. Já o próximo encontro do Livros na mesa será no dia 25, às 14h30m. E as reuniões do grupo Curta Crônicas são mensais. A programação está em curtacronicas.com. Rua Marquês de Abrantes 177, lojas 107 e 108, Flamengo. Tel.: 3237-3947.
Baratos da Ribeiro
“Clube da leitura”: Sessões quinzenais, às terças, às 20h. Rua Barata Ribeiro 354, Copacabana. Tel.: 2256-8634.
Baukurs Cultural
“Caldos literários”: Quinzenal.
Biblioteca Popular Machado de Assis
Tem atividades de incentivo à leitura na infância sempre aos sábados, às 16h. Na quinta, às 16h, sediará a “Festa do folclore”. Rua Farani 53, Botafogo. Tel.: 2551-2449.
Livraria Cultura
Leitura coletiva para crianças, aos sábados, às 17h30m. Fashion Mall. Tel.: 2730-9099.
Sociedade Brasileira de Psicanálise
“Café literário”: O próximo encontro será amanhã, às 17h. Rua David Campista 80, Humaitá. Tel.: 2537-1333.
Centro Cultural Midrash
Oficinas de leitura e cursos grátis. Rua General Venâncio Flores 184, Leblon. Tel.: 2239-1800.
Casarão 24
Encontros às segundas para ler quadrinhos. Contato: filipiercing@gmail.com.
Fonte: Jornal Extra